Missão: levar o teatro onde o povo está

Andreza Coutinho celebra os 21 anos de estrada da produtora Namarra Cultural

Por Felipe Pedrosa
Sentada no quintal, onde um belo limoeiro se faz presente, em uma casa simples, mas aconchegante e encantadora, localizada em Contagem, na região metropolitana à capital mineira, Andreza Coutinho visita os bonecos, os figurinos, os textos e alguns objetos dos cenários das diversas produções da Namarra Cultural, produtora que vai completar 21 anos de estrada em outubro próximo. Com a ajuda do pequeno Matheus Coutinho, de 12 anos, seu sobrinho, a gestora cultural limpa item por item, retira a poeira acumulada de alguns meses, conserta uma ou outra aresta e lembra, com saudosismo, do caminho até aqui.

“Revendo tudo isso, todos esses objetos, artigos e itens, eu me recordo de uma coisa que sempre aconteceu comigo nestes 21 anos: crianças que chegam e perguntam ‘- Tia, o que é um palhaço’?. E elas perguntam porque, quando chegamos nas escolas, nas cidades do interior de Minas Gerais, querem saber o que nós fomos fazer lá, sendo que a maioria delas não sabe nem o que é um teatro. Por isso, enquanto eu precisar responder ‘O que é um palhaço? ’, eu vou me movimentar para estar em vários lugares, eu vou continuar fazendo teatro”, garante Andreza, que, além de artista, é uma das muitas empreendedoras culturais em atividade no país.

Quando criou a Namarra, Andreza ainda era estudante de Artes Visuais na Escola Guignard, em Belo Horizonte. E foi em um dos seus poucos momentos de folga, deitada no sofá e assistindo televisão, que a ideia bateu. E bateu forte! Após assistir uma reportagem sobre produção cultural, a artista pesquisou cursos, oficinas e correu atrás de formação qualificada. Em uma aula de Rômulo Avelar, consultor de planejamento do Grupo Galpão, o nome Namarra nasceu e ficou.

“Hoje, a Namarra é uma produtora de teatro. Só que o nosso trabalho, e quando digo nosso é porque não faço nada sozinha, está diretamente relacionado com a parte social. Para você ter uma ideia, já nos deparamos com crianças que eram marrentas, que chutavam e brigavam com os colegas, que foram adultificadas por diversos motivos, mas que, depois de assistirem algumas de nossas peças, mudaram o comportamento. A magia do teatro faz com que essas crianças sejam crianças de fato, nem que seja só durante a peça. Por que a realidade delas é muito dura, lembra a gestora, com lágrimas nos outros.

Na bagagem da Namarra, a propósito, Andreza traz muitas histórias, como a vaquinha que professores de uma escola pública fizeram para comprar o lanche dos artistas, como a menina que, mesmo sem a família celebrar o seu aniversário, ganhou uma pequena festa da trupe de atores, e como o funcionário de uma grande empresa que, depois de algumas advertências, aprendeu a usar os equipamentos de segurança. “Nesses ambientes, eu tive a experiência, por exemplo, de conhecer profissionais dos mais diferentes setores que, após dois meses ouvindo palestras e lendo cartazes, não haviam aprendido a usar os equipamentos. Eles me disseram que só conseguiram compreender o que era exigido após assistirem as nossas montagens e que, antes disso, tinham até vergonha de perguntar”, conta ela, que já atendeu demandas específicas do Sesc-MG, do Magazine Luiza, da Fiat, da Petrobras, entre outras empresas.

Do nascimento até agora, a Namarra Cultural envolveu, além do público, muita gente, transformou tantas vidas e, claro, empregou muitos profissionais. “Se a pessoa é competente, ela está dentro da Namarra. Pouco importa a orientação, a cor da pele, a condição física. E mais: já tivemos no elenco muitos artistas que estavam no começo da carreira, que tinham uma bagagem mais teórica e que, com as nossas produções, puderam ganhar os palcos”, relata Andreza, alertando sobre a principal exigência das suas montagens: “O essencial é saber o papel enquanto artista. E qual é esse papel? Possibilitar a si e aos outros a transformação, o diálogo, a partilha, o afeto e, a partir disso, compartilhar cultura, que é tão necessária para a raça humana”, completa ela.  

Ainda sentada sob a pequena sombra do limoeiro, entre um clique e outro do pequeno Matheus — sim, o garoto de 12 anos, que também integra algumas produções da tia, é o responsável por algumas fotos desta matéria —, Andreza, além de folhear o livro da memória, com histórias que viraram tatuagens na alma, faz um balanço da Namarra Cultural. “Já levei meus espetáculos para cerca de 221 municípios mineiros, rodei uma média de 128 mil quilômetros e fiz, na companhia de grandes artistas e companheiros e companheiras de estrada, mais de 2.035 apresentações e 342 gincanas e oficinas”, cita a artista, que, em cada uma das escolas por onde passou, cerca de 500 pessoas assistiram às montagens. “E o maior público em uma única apresentação aconteceu no Lar dos Meninos São Vicente de Paula: 900 alunos marcaram presença”, garante a empreendedora.

Desafiada a elencar o principal sucesso da Namarra Cultural nestes 21 anos, Andreza pensa, coça a cabeça, reflete e dispara: “O espetáculo ‘É Tudo Limpeza’, que foi criado há 21 anos e visto por mais de 138 mil crianças”. O protagonista da peça, Sujeirar, a propósito, ensinou centenas e mais centenas de crianças a lavar as mãos, a tomar banho e a escovar os dentes. “E, agora, ele vai ensinar a turminha a importância de usar máscara e de se passar álcool em gel nas mãos por conta da pandemia. Afinal, o Sujeirar é sempre atual. Ele já abordou temas como a dengue e a febre amarela, por isso, neste momento, vai, sim, dar boas lições sobre a Covid-19”, adianta Andreza Coutinho para a “Revista Diversa”.

CELEBRAÇÃO

Fotos: Matheus Coutinho

Para celebrar as mais de duas décadas de devoção à arte, a Namarra Cultural realiza, entre os dias 1º e 16 de maio, em formato 100% online, a “Mostra Namarra 21 Anos”. Entre as atividades, estão um congresso de palhaços, contações de histórias, bate-papos online sobre diversos assuntos e o lançamento de um documentário e de um diário de bordo, que podem ser conferidos no site www.namarracultural.com.br

Para conhecer mais sobre alguns espetáculos da Namarra, como “Chico Livro e as Palavras”, “É Tudo Limpeza”, “Eco & Lógico” e “Leco e a Turma da Escova”, vídeos serão transmitidos ao vivo e publicados no canal da Namarra Cultural no YouTube e também no Instagram da produtora. “Vai ter um pouquinho de tudo por lá”, adianta Andreza, que avisa: “Fazemos uma arte que transforma vidas”.

*A entrevista com Andreza Coutinho foi feita de maneira remota, por meio de vídeos, áudios e fotos. Não houve encontro presencial por conta da pandemia do novo coronavírus.