Mulheres sobre duas rodas

Engana-se quem pensa que pilotar moto é coisa de homem. Muitas mulheres estão aderindo a este meio de transporte, que vem ganhando mais adeptas a cada ano

Por Angelina Fontes

É fato que o mundo está repleto de ideias preconcebidas, principalmente quando se trata do que as mulheres podem ou não fazer. No entanto, a cada ano, elas vêm conquistando mais espaço na sociedade e quebrando barreiras. E isso acontece, também, quando o assunto é meio de transporte ou opções de lazer.

Segundo dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), o número de mulheres habilitadas a pilotar motos cresceu de 4.002.094 em 2011 para 7.833.121 em 2020, ou seja, um aumento de 95.7% em menos de 10 anos. Uma prova e tanto de que assumir o guidão da moto não é mais “coisa de homem”.

Seja por facilitar a mobilidade urbana, como instrumento de trabalho ou por lazer, vemos, cada vez mais, mulheres pilotando motos ruas afora, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. E, de acordo com um estudo da Harley Davidson, muitas delas declaram que se sentem mais felizes e mais sexy do que as mulheres que não pilotam. “Liberdade” é o que elas mais dizem sentir quando estão sobre duas rodas.

A Revista Diversa conversou com três mulheres que amam pilotar como forma de lazer. Chega o final de semana e elas saem, com ou sem rumo, sobre duas rodas, para explorar a região onde moram, sentir o vento no rosto ou se aventurar em longas viagens. 

Segurança pelas ruas da Califórnia
A assistente administrativa Karin Grzelak, começou a pilotar motos há cerca de 20 anos, junto com o marido, quando ambos fizeram as aulas de rua e tiraram carteira de habilitação de motocicletas. Àquela época, eles moravam em São Paulo e ela acabou por não pilotar muito por lá, devido ao tráfego intenso e quase sem regras quando se anda sobre duas rodas. No entanto, quando se mudaram para a Califórnia, nos Estados Unidos, renasceu nela a vontade de andar de moto. “Nos Estados Unidos me senti muito mais segura, inclusive em relação ao número de motos nas ruas, que é bem menor do que no Brasil. Me senti confortável e curti demais, tanto que hoje gosto bem mais de pilotar do que meu marido”, conta ela, que tem uma Honda Cruiser 700 CC.

Karin diz que, às vezes, vai para o trabalho pilotando para aproveitar o bom clima da Califórnia ou para chegar mais rápido. Mas explica que gosta mesmo é de passear nos finais de semana e explorar as belas regiões ao redor de sua cidade. “Gosto de pegar ruas e trajetos menos movimentados, por onde as pessoas geralmente não passam. Usamos rotas alternativas para chegar a diversos locais, como Napa Valley (a região dos vinhos californianos), por exemplo, ou vamos a outras cidades para almoçar e voltamos no mesmo dia. Acabamos sempre conhecendo novos pontos turísticos, restaurantes e pessoas. Além disso, andar de moto é excelente pedida para limpar a mente, desestressar e sentir a liberdade à flor da pele”, diz.

Ela conta que, para sair de moto, não abre mão de todos os itens de segurança como luvas, bota, jaqueta, capacete e equipamentos acoplados na própria moto para evitar que se machuque no caso de uma queda. “Nunca me envolvi em nenhum tipo de acidente e me considero muito conservadora. Digo que existem os pilotos ninja, que passam cortando todo mundo. Mas eu sempre vou com cautela e respeitando as regras e o limite de velocidade”, comenta ela, que, apesar de ainda não ter planos, tem vontade de fazer uma viagem longa pelos Estados Unidos, como a famosa Rota 66, por exemplo. 

Adrenalina na veia
Falando em viagens longas, essa é a especialidade da advogada Mônica Calhau, que mora há 15 anos em Fort Lauderdale, na Flórida. Filha de aviadores, Mônica cresceu em meio a aventura e sempre gostou de motos e aviões. Ela conta que sua história com a motocicleta começou na juventude, ainda no Brasil, quando pilotava motos off road para fazer trilhas e passeios nas montanhas de Minas Gerais. No entanto, não pilotava com tanta frequência e esse desejo somente reacendeu quando se mudou para os Estados Unidos.

Mônica conta que conheceu o marido enquanto ele fazia o trajeto de Miami a Ushuaia, na Argentina, sobre duas rodas. “Me empolguei e fiz a última perna da viagem com ele, cada um em sua moto. Foram cerca de 8.000 quilômetros entre Chile, Argentina e Rio de Janeiro”, lembra.

De lá pra cá o casal não parou mais. Já viajaram de Fort Lauderdale até o Maine, um trajeto de 3.600 quilômetros, passando pelos Montes Apalaches; fizeram diversos passeios pela Flórida como Santo Agostinho, Daytona e Key West e, sempre que podem, estão explorando algum canto. A próxima aventura será viajar de moto da Flórida até Anchorage, no Alasca, uma aventura de cerca de 8.000 quilômetros por perna. 

“Uma das experiências mais maravilhosas que vivenciamos sobre duas rodas foi passar pelo Tail of the Dragon, no caminho até o Maine. São 318 curvas em menos de 18 quilômetros. Acredito que o sonho de qualquer motociclista. Também nunca vou esquecer as imagens maravilhosas que ficarão para sempre na memória em todas as viagens que fizemos. Montes nevados, florestas, mar, trilhas e caminhos inesquecíveis. Digo que viajar de moto nos permite sentir de perto a natureza, os cheiros, as sensações. É liberdade”, define. 

Do asfalto para o mato

Já Sônia Peroba, se aventura pelo litoral brasileiro sobre sua Harley Davidson 1200 CC. Residente em Maceió, ela conta que sempre teve vontade de pilotar, mas, devido a trabalho, casamento, filhos, foi deixando o sonho de lado até que, em determinado momento, a vontade voltou com tudo e ela, que já tinha carteira de moto, decidiu seguir seu instinto aventureiro. 

“Uso minha moto nos finais de semana, quando gosto de ir até Recife, Salvador ou outras cidades do nosso litoral. Gosto de ir a encontros de moto ou apenas dou voltas sozinha pela cidade”, diz a empresária, que participa de um grupo de motociclistas que tem somente ela e mais uma pilota mulher. Quando perguntada se já sofreu preconceito, ela diz que sim, que já ouviu algumas pessoas falando que “moto é coisa de homem”, mas explica que, na maioria das vezes, as pessoas a admiram. “Certa vez pedi para um amigo do grupo dar uma olhada em minha moto, pois parecia apresentar algum problema. Ao checar, ele falou que não sabe como eu consigo pilotar uma moto tão grande, rápida e pesada como a minha. Mas foi no sentido de admirar e não de criticar”, comenta. 

Apesar de pilotar entre cidades, por rotas que levam ao menos cinco horas de viagem, Sônia diz que tem planos de fazer trajetos mais longos, sair do Brasil e explorar países e regiões vizinhas, como, por exemplo, o Deserto do Atacama, no Chile. E os planos vão além. Adepta dos esportes ao ar livre, como rapel, escalada e outros, Sônia diz que seu próximo projeto é andar de moto no mato. “Fiz uma viagem por trilha, passando por matas, riachos e foi esplêndido. Quero ficar mais próxima da natureza, sair um pouco da cidade e ir pro campo. Foi uma experiência excelente que quero levar adiante e que vai me preparar para outras aventuras no futuro e me permitir ter mais resistência”, diz.

Independente dos motivos que as levaram a andar sobre duas rodas, elas transmitem um ar de independência e segurança e derrubam, com prazer e segurança, a máxima de que  mulher tem que pilotar fogão.