Aborto de repetição: causas e possíveis tratamentos

Por Angelina Fontes e Daisy Silva

Aborto de repetição é quando uma gestação é interrompida espontaneamente por mais de três vezes consecutivas. Conheça a história de uma mãe que passou por esta difícil experiência antes de carregar seu filho nos braços

Ter uma gestação interrompida é uma experiência dolorosa. Agora, imagine vivenciá-la por diversas vezes seguidas enquanto o casal sonha em ver o rostinho do filho pela primeira vez? Tal acontecimento é chamado de aborto de repetição, que é quando ocorrem três ou mais perdas gestacionais consecutivas, com até 20 semanas de gestação. De acordo com a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM), cerca de 1% da população passa por esta situação. 

Segundo o Dr. João Pedro Junqueira Caetano, ginecologista e especialista em reprodução assistida da Huntington Pró-Criar, entre as causas mais conhecidas de abortamento estão as genéticas, imunológicas, uterinas, infecciosas e hormonais. “É importante esclarecer que o aborto recorrente pode ser causado por fatores femininos e masculinos, e a identificação das causas só é possível após uma investigação completa, incluindo avaliação clínica e a realização de exames de imagem e laboratoriais”, esclarece.

Dr. João Pedro Junqueira Caetano, ginecologista e especialista em reprodução assistida. Crédito: Leo Horta

Para fazer o diagnóstico, é preciso realizar um exame de sangue (cariótipo) do casal. Nas causas imunológicas, são avaliados os anticorpos maternos e a tendência de formar trombos (trombofilias). Quando a causa é infecciosa, o aborto pode acontecer por infecção na cavidade endometrial (parte interna do útero). O diagnóstico é feito com base nos resultados da histeroscopia e em exames complementares do material retirado por biópsia. Já as causas uterinas dizem respeito à própria anatomia do órgão. O mais comum é a presença de pólipos, miomas ou malformações uterinas. As causas hormonais podem ser alterações no hormônio prolactina, hormônios tireoidianos, entre outros. No caso dos fatores masculinos, alterações no DNA dos espermatozoides podem ser uma das causas do problema.

Com tantas possíveis razões, Dr, João Pedro Junqueira reforça que a avaliação e a indicação do tratamento para aborto de repetição são individuais. “Deve-se procurar um médico especialista em medicina reprodutiva e avaliar o melhor caminho para ter uma gestação bem-sucedida”, destaca.

Persistir e nunca desistir
No entanto, há casos de pessoas que investigam a fundo, fazem tratamentos e as perdas ainda podem persistir. Isso foi o que aconteceu com a jornalista de 33 anos, Raquel Penaforte, que, antes de ter um final feliz, com Caetano nos braços, precisou superar cinco perdas gestacionais. Frustração, medo, insegurança e mais uma série de sentimentos tomaram conta da vida do casal, mas também os fizeram nunca desistir do sonho de serem pais. 

“Desde que namorávamos, falávamos que teríamos 3 ou 4 filhos e planejamos tentar após dois anos de casados. Nunca tínhamos investigado nada sobre fertilidade e sempre achamos que seria tudo simples quando, em março de 2016, com dois anos de casada, descobri que estava grávida. Ficamos em choque com a boa surpresa, mas, três dias após, tive um aborto”, diz ela, lembrando que várias pessoas, inclusive a ginecologista, disseram que era normal. No entanto, após descobrir a segunda gravidez e espalhar a notícia com a certeza de que daquela vez daria certo, o inesperado aconteceu novamente e Raquel, preocupada com aquela perda, resolveu investigar. Exames de trombofilia e cariótipo voltaram normais. 

Raquel Penaforte com o pequeno Caetano. Crédito: Leandro Couri

“As pessoas diziam que até três vezes era normal e então achávamos que éramos estatística”, recorda. No ano seguinte, ela engravidou de novo e, em uma semana, sofreu uma nova perda. “Cheguei à conclusão de que aquilo não poderia ser normal. Então fui ao médico e ele me disse que, em um ano, eu estaria com meu bebê nos braços. Fui submetida a novos exames como a histeroscopia, que mostrou que eu tinha várias sinéquias no útero, uma espécie de pele que adere ao tecido, as quais foram removidas. Lembro do médico falando: “estamos preparando a casinha”, relembra. 

Uma palavrinha com Deus
Após sofrer a terceira perda, Raquel lembra que ficou sabendo de uma amiga que estava grávida. “Fiquei muito chateada no dia. Por mais que racionalmente eu soubesse que as pessoas iriam engravidar e ter um filho, independente do que estávamos passando, vivenciar a gravidez de outra pessoa enquanto eu não conseguia, mexeu muito comigo. Me senti injustiçada por Deus e fiz um combinado: se Ele sonhasse meu sonho de ser mãe de um filho biológico meu e do meu marido, me permitisse ficar grávida, sentir os sintomas da gravidez, as dores do parto e criar minha criança, eu queria receber uma flor até a próxima sexta-feira. Caso contrário, queria que Ele tirasse essa vontade do meu coração para que eu vivesse em paz”, conta. A semana foi passando, ela desacreditada quando, na sexta-feira, o marido a convidou para ir a uma missa, onde ele tocaria. “No início eu não quis ir, mas acabei o acompanhando e, de repente, uma pessoa, que estava de costas para mim, pegou uma rosa branca em um vaso e me deu. Naquele momento senti que aquele sinal era um sim”.

Porém, a quarta gravidez veio e tudo se repetiu. “Fiquei apavorada. Fomos a umas quatro clínicas de fertilização e cada médico fez uma abordagem diferente: um sugeriu rastreio genético; outro, fator anatômico. Um sugeriu questões de saúde como hábitos saudáveis, exercícios, etc. Fizemos de tudo, inclusive uma cirurgia para corrigir meu útero que era bicurvo. Não engravidei e, após tratamentos, terapia, oração, tristeza e companheirismo, entregamos os pontos e, devido a minha idade, decidimos entrar na fila de adoção”, comenta. Eles percorreram um longo caminho no processo adotivo até que, em janeiro de 2021, ela descobriu que estava grávida. Fizeram ultrassom, ouviram o coração do bebê e, em pouco tempo, passaram pelo quinto aborto. “Ficamos tristes, mas seguimos no processo da adoção. Naquele momento, em pleno Covid, estava todo mundo cheio de incertezas e resolvi me dedicar a minha saúde mental e corporal. Me matriculei no yoga e comecei a fazer uma reeducação alimentar com ayurveda, que envolve meditação, aromaterapia, alimentação saudável. Era o que eu estava procurando na época: me cuidar”. 

Escrito nas estrelas
Quando foi março de 2021, Raquel não menstruou e começou a sentir sintomas de gravidez como fraqueza, tontura, sono e pensou que fossem restos hormonais da última gestação. “ Não imaginei que fosse uma gravidez, pois os médicos recomendam que deve-se esperar cerca de 6 meses após um aborto antes de tentar engravidar novamente. Mas decidi fazer o teste e, rapidamente, saiu o resultado: positivo. Fizemos novo ultrassom e ali estava o coraçãozinho do Caetano batendo forte e acelerado”, conta alegremente. 

Raquel Penaforte e o marido admirando o tão querido Caetano. Crédito: Leandro Couri

Após ter passado por tantas perdas gestacionais, claro que o medo persistia. Mas, tudo foi evoluindo da melhor forma possível. “Os exames todos estavam dando certo e fomos vendo ele crescer até a hora do parto, em dezembro passado, e, hoje, temos o Caetano nos braços, lindo, forte, saudável e abençoado”, comemora Raquel, que ainda não tem certeza do que causou tudo isso. “Não tive um diagnóstico preciso, mas hoje temos nosso bebê conosco e aprendemos uma lição: nunca podemos fazer planos, pois podemos nos frustrar. Mas nunca devemos desistir. Eu tinha certeza que daria certo e deu”, celebra. 

Quanto à adoção, Raquel conta que, mesmo com a chegada de Caetano, decidiram não fechar esta porta e seguir no processo. Então, em breve, o pequeno Caetano terá um irmãozinho ou uma irmãzinha. Por mais dolorida que toda esta trajetória tenha sido, Raquel se recusou a desistir e, agora, tem seu filho nos braços e planos para aumentar a família e dar uma segunda chance a uma criança.

A dor de um aborto espontâneo, independente de ser o primeiro ou o décimo, é uma dor complexa, que envolve uma mãe que não vai carregar o filho nos braços. Envolve a interrupção de planos que dão lugar ao luto. Envolve a falta de acolhimento e compreensão por parte da sociedade. Por isso, é importante que as tentantes sempre busquem auxílio quando preciso, pois, por muitas vezes, uma nova perda pode ser evitada e o luto perinatal menos doloroso.