Covid-19 impactou a vida de todos, especialmente de mães que tiveram que se readaptar para conciliar trabalho com os filhos em casa. E elas não deixaram a peteca cair
Por Angelina Fontes
Daniela Alves tem em seu currículo mais de 10 anos de experiência como psicopedagoga e um curso de doula, feito após ter seu primeiro filho e se interessar ainda mais pelo universo da maternidade. Mãe de dois meninos, um de cinco anos e um bebê de nove meses, sempre teve uma rotina acelerada que incluía, além dos afazeres ordinários de escritório, muitas viagens a trabalho. Enquanto ainda amamentava o primogênito, por muitas vezes o levou nas viagens e sempre que precisava, contava com uma ampla rede de apoio que, além do marido, incluía irmãs e sobrinhas, que a ajudavam muito com o pequeno.
Bento, até março de 2020, frequentava uma escola voltada para o livre brincar e toda a logística de levar, buscar e trabalhar era extremamente bem planejada. Mas, com o começo da pandemia, quando carregava um barrigão de oito meses de gravidez, ela viu toda esta rede de apoio e a organização caírem por terra abaixo, tendo o filho mais velho em casa o dia todo e, pouco tempo depois, a chegada do recém-nascido. “No começo, o que mais me doeu foi a escola encerrar as atividades e o fato do Bento não ter mais contato com outras crianças”, diz ela, que precisou lançar mão de desenhos animados na TV, algo que era contra, para conseguir manter o filho ocupado enquanto cuidava do recém-chegado Dante.
A grande surpresa para Daniela veio quando ela voltou da licença maternidade e perdeu o emprego. “Na realidade, eu já tinha o desejo de sair. Sempre falava que esperaria ter meu segundo filho para pedir demissão. Com a maternidade, a gente muda muito o jeito de olhar o mundo e as viagens a trabalho começaram a perder o sentido. Comecei a questionar e a pensar em sair, mas sempre esperava. Mas digo uma coisa: se a palavra tem poder, foi o que aconteceu, pois, após meu segundo filho fui demitida e me vi 100% dona de casa confinada”, declara.
Novos rumos
Após viver seu momento mãe em tempo integral em plena pandemia, Daniela sentiu a necessidade de fazer algo novo. Com alguns cursos de marketing digital e auxílio de uma gestora de carreira, resolveu unir o útil ao agradável e criou um perfil no Instagram voltado para a maternidade consciente. O @gestarparireducar reúne dicas e informações para o dia a dia de uma mulher desde a gestação até a educação dos filhos, um mix de suas três experiências: psicopedagoga, doula e mãe.
“Eu brinco que encontrei a ponta do durex. Desde que me tornei mãe comecei a me interessar por este universo, pelo parto natural e tudo relacionado à maternidade, desde política e conscientização à educação. Agora encaro meu perfil como trabalho e preciso me organizar para conseguir cuidar da casa, dos filhos, produzir conteúdo, etc. Estou começando a conseguir estabelecer uma rotina”, detalha ela, que prefere manter as brincadeiras dentro de casa para evitar qualquer possibilidade de contaminação pelo Covid-19.
Daniela conta que, além do perfil, ela tem planos de, no futuro, atuar como doula, algo que fez pouco desde que se especializou, e dar cursos e consultorias para mães e futuras mamães. Mas, enquanto isso não acontece devido à pandemia, ela segue na tarefa de fazer mil coisas ao mesmo tempo. “Outro dia eu estava conversando com uma amiga e com minha irmã por chat, carregando meu filho e colocando água no filtro, quando a água caiu em cima do celular e iniciou uma ligação de vídeo para uma delas. No final, vi que na minha galeria de fotos tinha um print de nossa chamada de vídeo, nós todas descabeladas e sem saber o que estava acontecendo”, lembra rindo.
Instagram é conexão
A jornalista Bárbara Pedrosa também viu no Instagram uma oportunidade de compartilhar e se conectar com as pessoas durante a pandemia. Ela, que já trabalha de casa há algum tempo fazendo jobs de comunicação e branding enquanto cuida das filhas de seis e três anos, começou a usar a plataforma para compartilhar sua rotina de trabalho e de mãe. Por lá, ela divulga um pouco de si mesma, de atividades do dia a dia, brincadeiras criativas com as filhas, pensamentos positivos, curiosidades, dicas de leitura e tudo mais que acredita ser do interesse de seus seguidores.
“Meu Instagram é minha marca pessoal. No começo do ano, mudei a linguagem que utilizo, já pensando nessa necessidade de compartilhar e de trabalhar a escrita. E, com a pandemia, vi muita mãe sem saber o que fazer com as crianças em casa. Foi pensando no que podemos tirar de positivo numa situação tão difícil e aproveitando a busca de autoconhecimento, do olhar para dentro, que surgiu esta ideia”, diz a jornalista. Ela acrescenta que acredita que, com as mídias sociais, todos, de certa forma, influenciam a vida dos outros. “Penso que se eu conseguir transformar a vida de alguém e esse alguém transforma a vida de outro, já está excelente”, declara.
Bárbara conta que esta mudança no perfil do Instagram já lhe abriu portas. Recentemente ela criou um grupo de leitura sobre o livro “Mulheres que Correm com os Lobos”, de Clarissa Pinkola, e também conseguiu um cliente de branding, trabalhando na criação dos nomes para empresas da organização. “Digo que as minhas filhas que me deram coragem para ir em frente e desenvolver minha marca. Tenho uma forte tendência para escrever textos, manifestos narrativos de marcas. É uma área que estou gostando muito e pretendo ir em frente paralelamente com o Instagram, como forma de inspirar pessoas a terem positividade e se conectarem”, enfatiza.
Para as mamães que estão com dificuldades tendo os filhos em casa, ela lembra: “muita gente acha que filho dá trabalho demais. Claro que a demanda é maior, mas se nos organizamos, conseguimos. Eles precisam ter alguém presente, alguém que doe alguns momentos a eles. A criança aprende brincando, com um jogo de baralho, estratégias, criatividade. Se cada um puder fazer essa conexão com os filhos, criar memória afetiva, lá na frente esses pais vão ganhar muito”, finaliza.
Cuidado compartilhado
Nos Estados Unidos a situação não é diferente. Formada em letras e em educação infantil, Rosângela Snavely também se viu em uma situação desafiadora com o começo da pandemia. Mãe de duas meninas, uma de cinco e uma de dois anos de idade, ela trabalha três dias na semana como babá de um garotincho de dois anos e, desde que sua caçula nasceu, ela faz o que chamam de nanny share: cuidar de crianças de famílias diferentes ao mesmo tempo, sendo que uma dessas crianças é sua filha mais nova. A mais velha, até antes da pandemia, ia para a pré-escola todas as manhãs. No entanto, desde março a escola está fechada e ela se viu obrigada a ampliar sua turminha do nanny share, levando ambas para o trabalho, além do bebê da chefe, que nasceu nesse meio tempo.
“Antes da pandemia, eu tinha o costume de levá-los para playgrounds, parques e fazia outras atividades envolvendo mais crianças, e agora, com a mais velha, precisei recriar um cronograma que incluísse atividades criativas para manter o aprendizado que ela não vem tendo na escola, explica ela, contando que tem feito muitas atividades ao ar livre como hikings, para que saiam um pouco de casa e façam alguma atividade física. “Além disso, enquanto os pequenos dormem, faço outras atividades com a mais velha, incluindo aulas de português, para para que mantenhamos este segundo idioma em casa”.
Devido à dificuldade de ensinar o português à filha de forma didática, Rosângela conversou com uma amiga, educadora e especializada em alfabetização no Brasil, e, daí, surgiu uma ideia: abrir uma escola de português online para ensinar o idioma a crianças que moram no exterior. “Fizemos todo o treinamento de ensino, preparamos as aulas e começamos a divulgar. A demanda veio logo em seguida e comecei a dar aulas. Fiquei feliz, pois vi que isso é o que gosto de fazer e fui capaz de reunir minha formação em letras com minha experiência como mãe e babá, o que me vem me ajudando, ainda mais, a ser uma boa professora”, comemora.
Com menos de três meses do início do projeto, Rosângela conta com cinco turmas e a sócia com oito turmas de alunos entre três e 12 anos de idade, não só crianças residentes nos Estados Unidos, como, também, na Alemanha, Holanda, Canadá e Londres. A procura vem sendo tão grande, que contrataram duas outras professoras para darem aulas em horários nos quais elas não estão disponíveis.
A educadora relata que esta tem sido uma gratificante forma de ter uma segunda fonte de renda durante a pandemia. “Dar aulas de português vem sendo uma experiência incrível. É um momento que me vejo além de mãe e babá. Sinto que estou fazendo diferença na vida dessas crianças ao trazer cultura e conhecimento”, encerra.
Quase um ano após o começo da pandemia, que tornou a vida nos escritórios e dentro de casa de cabeça para baixo, a força de trabalho feminina em geral se vê confrontando escolhas difíceis como deixar seus empregos, reduzir horas de jornada ou se reinventar para conciliar trabalho e responsabilidades domésticas.
Porém, com muito autocontrole para se manterem mentalmente saudáveis, e com uma boa gestão do tempo, estas mamães vêm se desdobrando para que os filhos estejam sempre em primeiro lugar em um momento tão difícil, a fim de que, no futuro, eles levem algo de bom de tudo isso.